Jornalistas no laboratório, cientistas na redação

“Seria muito interessante que o pesquisador, ao fim do doutorado, passasse um tempo na redação de um jornal para entender como é o processo do jornalismo. Do mesmo modo, o jornalista de ciência ou estudante de jornalismo poderia freqüentar um laboratório e observar o dia a dia dos pesquisadores.“

Assim disse o neurocientista e professor da UFRJ  Roberto Lent, em 14 de setembro, na mesa Educação e Divulgação Científica do Simpósio “Ciência, Tecnologia e Inovação: Visões da Jovem Academia”, organizado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). A experiência de Lent com a pesquisa e divulgação da ciência traz sempre um frescor no meio de algum ranço existente entre cientistas concentrados em seus projetos, papers e afazeres burocráticos, avessos ao trabalho jornalístico. Do outro lado, há jornalistas apressados para cumprir suas pautas. Concordo totalmente com a proposta dele.

Na minha graduação em jornalismo, fiz estágio em um programa de jornalismo científico e cultural, e estive em laboratórios de aulas e pesquisa. A lembrança mais marcante foi o acompanhamento de rotinas simples do laboratório gerenciado por Cristovam W.P. Diniz, neurocientista e professor da Universidade Federal do Pará(UFPA). Ali também assisti a alguns seminários ministrados pelos estudantes de biomedicina – entre eles, estava o amigo Wallace Leal, hoje pesquisador e professor da UFPA. Diniz foi um grande incentivador do meu interesse na divulgação científica naquele início dos anos 90.

Como jornalista, desenvolvi muitas pautas em laboratórios e escritórios de pesquisa. Bruno Latour e Steve Woolgar , no livro “A Vida em Laboratório”, dizem que se não tivéssemos a menor noção do que é a pesquisa científica, e adotássemos a versão dos cientistas, iríamos aprender apenas a “macaquear” o chefe do laboratório. E creio que isto vale muito para o jornalista em qualquer área de atuação ou especialização.

em busca de informações sobre outras tribos/Foto: Maria Lúcia Srur

 

A partir de julho deste ano, voltei à prática de visitante de laboratório (seria um hobby nerd?). Durante 15 dias, ministrei aulas no curso de especialização em jornalismo científico na Universidade Federal do Oeste do Pará(Ufopa). Uma das nossas atividades foi conhecer um campo de pesquisa arqueológica, recém aberto no terreno da universidade. Em um sábado, estávamos lá, sob sol quente, a interrogar a arqueóloga Denise Gomes e equipe. Foi muito bom ver os alunos ativos na entrevista coletiva. E saí dali com vontade de estudar arqueologia.

Em agosto, levei um grupo de alunos de graduação em jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro(UFRRJ) para um programa mais “radical”. Conhecemo o laboratório de anatomia animal do Instituto de Veterinária da UFRRJ. Os primeiros momentos foram de impacto e nojo gerados pelo cheiro e pelo visual. Nenhum dos oito alunos havia tido uma experiência como aquela, o que motivou diversas perguntas ao professor Luciano Alonso.  Os alunos participam de um projeto de jornalismo científico que iniciei este semestre na UFRRJ.

Acredito que este tipo de jogo entre estudantes, jornalistas e pesquisadores de outras áreas pode ser muito proveitoso para todos. É por isso que continuarei a incentivar ações e vivências como estas que compartilhei aqui.

4 comentários em “Jornalistas no laboratório, cientistas na redação

  1. A Dra. Denise Gomes é citada no livro 1421, o ano que a China Descobriu o Mundo, do autor Galvin Menzies. Já estou lendo o 1434, do mesmo autor! Ele tem página/sítio na internet em que troca experiencias e provas de suas teorias.Dentre outras coisas ele, segundo informa no livro, estar acompanhando o trabalho da Dra. Denise Gomes nesta escavação, pois defende que os chineses estiveram por lá…

  2. Oi, Alessandra! Que legal que você gostou do Road Trip, fiquei bem feliz. Eu também gostei muito daqui (ainda que não tenha tido tempo de ler os seus posts tão bem quanto eu gostaria hoje, mas prometo voltar e colocar os assuntos em dia). Beijo!

  3. Com bastante respeito a seu trabalho, lhe digo que juntar Lent com Latour e Woolgar na mesma mesa provavelmente causaria calafrios mútuos em ambas as partes. Clã do Djavan x Clã do Tim Maia. Lent preza o PUS em sua vertente conservadora, Latour e Woolgar, na perspectiva crítica. Uns acreditam em deficit cognitivo e rejeição da ciência por conta dele; outros acreditam que a Ciência é uma das muitas formas de racionalidade possíveis, sem nenhum privilégio epistemológico. Água e óleo. Sucesso!

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